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DOM CASMURRO

DOM CASMURRO. MACHADO DE ASSIS. ORGANIZAÇÃO / ESTRUTURA.

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DOM CASMURRO

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Presentation Transcript


  1. DOM CASMURRO MACHADO DE ASSIS

  2. ORGANIZAÇÃO / ESTRUTURA

  3. Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa pelo protagonista masculino que dá nome ao romance, já velho e solitário, desiludido e amargurado pela casmurrice, conforme lhe está no apelido. A visão, pois, que temos dos fatos é perpassada da sua ótica subjetiva e unilateral: "tudo que sabemos do seu passado, de seus amores, de Capitu, só o conhecemos do seu ângulo"

  4. O romance, como já observamos, é construído a partir de um flash-back, por um cinquentão solitário e casmurro, "à la recherche de temps perdu" ("à procura do tempo perdido"), o qual procura "atar as duas pontas da vida" ( infância e velhice). Perpassa, pois, no romance, uma atmosfera memorialista, dando a impressão de autobiografia, a qual, como se sabe, não tem nada a ver com Machado de Assis.

  5. O título do livro reflete uma das características mais marcantes do protagonista masculino no crepúsculo da existência: a visão amarga e doída de quem foi traído e machucado pela vida, e, em consequência disso vai-se isolando e desconfiando. "Não consultes dicionários, Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo" (Cap. I).

  6. O romance se compõe de 148 capítulos curtos, com títulos bem precisos, que refletem o seu conteúdo. A narrativa vai lenta até o capítulo XCVII, a partir do qual se acelera, como declara o próprio narrador, ao dar-se conta da sua lentidão: "Agora não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo, pouca emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegares ao final" (Cap. XCVII).

  7. Assim, pois, até o capítulo XCVII, quando o narrador sai do seminário, "com pouco mais de dezessete anos", focaliza-se, em câmera lenta, a infância e a adolescência, dada a necessidade do narrador traçar o perfil dos protagonistas da história (Bentinho e Capitu), revelando, desde as entranhas, o caráter e as tendências de cada um: afinal, o adulto sempre se assenta no pilar da infância, como insinua Dom Casmurro, no final da narrativa, ao referir-se a Capitu: "Se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca" (Cap. CXLVIII).

  8. Quanto ao lugar em que decorre a ação, trata-se do Rio de Janeiro da época do Império: há inúmeras referências a lugares, ruas, bairros, praças, teatros, salões de baile que evocam essa cidade imperial. Por outro lado, há também ligeiras referências a São Paulo, onde foi estudar Direito o ex-seminarista Bentinho, e também à Europa onde morre Capitu, e mesmo aos lugares sagrados, onde morre Ezequiel (Jerusalém).

  9. Cronologicamente falando, a narrativa decorre durante o segundo Império. Contudo, construído sob a forma de flash-back; “o que domina no livro não é esse tempo cronológico; é o psicológico, que se passa dentro das personagens, dentro da própria vida”.

  10.       PERSONAGENS

  11. CAPITU Inteligente, prática, personalidade forte e marcante (ela era muito mais mulher do que Bentinho, homem), Capitu acaba se tomando a dona do romance: forma, inicialmente, com o narrador, um “duo terníssimo” e, depois, passa a constituir o centro do drama do protagonista masculino, com a entrada em cena de Escobar (“trio") e de Ezequiel (“quattuor”). No final, acusada pelo marido enciumado, revela-se nobre e altiva ao não responder as acusações. O seu silêncio confere a ela grandeza e contribui mais ainda para acentuar a dúvida que paira sobre seu adultério.

  12. DOM CASMURRO O perfil do protagonista masculino pode ser acompanhado em três fases distintas: Bentinho, Dr. Bento Fernandes Santiago e Dom Casmurro. Bentinho revela-se uma criança/adolescente marcada pela timidez, sem muita iniciativa e bastante dependente da futura mulher. Tinha uma imaginação fertilíssima, como no capitulo XXIX

  13. DONA GLÓRIA Mãe de Bentinho, cedo assume as rédeas da casa com a morte do marido, o qual deixa a família bem amparada. Ao longo do romance, D. Glória, revela-se religiosa, apegada às tradições e ao passado.

  14. JOSÉ DIAS Era agregado da família e gostava muito de Bentinho. Bajulador e de ideias chochas, realçava-as com superlativo, que passa a ser sua marca registrada: “José Dias amava os superlativos” e usa-os com frequência ao longo do romance, inclusive na hora de morrer quando se refere ao dia como “lindíssimo”.

  15. ESCOBAR Muito amigo de Bentinho (colegas de seminário), Escobar era casado com Sancha e revela-se um tanto quanto misterioso: teria participado do “trio” cantado por Dom Casmurro, formando o triângulo amoroso da suspeita do narrador? Fica a dúvida e a mágoa, como revela Dom Casmurro no capitulo final, já que Escobar foi tragado pela morte (afogamento), sem possibilidade de defender-se da acusação.

  16. EZEQUIEL É o filho de Dom Casmurro com Capitu, pejorativamente chamado pelo pai de “filho do homem”. Gostava de imitar e imitava muito bem, sobretudo Escobar. Vítima da suspeita do pai, acaba sendo afastado, assim como a mãe, para a Suíça, tendo morrido perto de Jerusalém, como arqueólogo

  17. ESTILO DO AUTOR / LINGUAGEM

  18. A linguagem de Machado de Assis é marcadamente acadêmica: clássica, bem cuidada, regida pelas normas de correção gramatical. Entretanto, em alguns pontos, tal como ocorre no Modernismo, ele registra aspectos típicos da língua da personagem, como nesta fala de um vendedor de cocada: “ - Sinhazinha, qué cocada hoje? - Cocadinha tá boa... “

  19. Outra marca do estilo machadiano é a tendência para a frase sentenciosa e proverbial, como aquela em que compara a vida com uma ópera, atribuída ao tenor Marcolini: “A vida é uma ópera”.

  20. Outro aspecto interessante é o uso frequente de alusões, referências e citações que vão como que confirmando as suas ideias e pensamentos, o que, por outro lado, revela bem a espantosa cultura e erudição de Machado de Assis, adquiridas de forma autodidata como vimos.

  21. Ao longo das suas narrativas, Machado de Assis (ou o narrador que conduz a história), sempre gostou de estabelecer um diálogo com o(a) leitor(a): conversa com ele(a), dá-lhe conselhos, pondera e explica: “Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina...” (Cap. CXLVIII).

  22. Outra coisa que chama e atenção são as suas personagens, quase sempre bem situadas na vida, sem necessidade de trabalhar; aliás, o único trabalho que fazem é serem personagens de Machado de Assis, como observou alguém. Por outro lado, movem-se lenta e pausadamente, sendo quase sempre objeto de observação e análise do autor: são gente muito mais de reflexão do que de ação.

  23. Apresentando, via de regra, uma visão amarga, pessimista e niilista da vida humana, Machado de Assis sempre se revela sarcástico e irônico na sua obra: desmascara o ser humano na sua hipocrisia e torpezas, desnudando-o nas suas entranhas; desmistifica crenças e instituições sacralizadas pelos tempos; questiona o sentido da vida. Tudo se desfaz e se desmorona ante o seu olhar arrasador, até mesmo um casamento que parecia sólido e embasado no pilar do amor.

  24. ESTILO DE ÉPOCA

  25. Os romances realistas sempre se fundamentam num caso de adultério, como se pode ver nos diversos autores da época (Eça de Queirós, Aluísio Azevedo, dentre outros). Em Dom Casmurro é exatamente a suspeita de adultério que sustenta o enredo do romance. Tudo se constrói em torno desse possível adultério de Capitu.

  26. Entretanto, não há uma preocupação excessiva em contar a história, a preocupação maior é com a análise, uma análise dissecante e profunda, em que o escritor procura desnudar a personagem e revelar as suas entranhas. Sem dúvida, por isso, Machado de Assis retroage à infância, tentando buscar a origem do problema focalizado.

  27. Por essa razão, a narrativa é lenta, pausada - anda bem devagar. Aliás, o próprio Machado de Assis reconhece isso, ao declarar em passagem famosa de Memórias póstumas de Brás Cubas que vale também para Dom Casmurro: “...o livro anda devagar; tu (conversa com o leitor) amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...”

  28. Embora adote a primeira pessoa como técnica narrativa, o narrador de Dom Casmurro se coloca à distância: no extremo da vida (velhice), o protagonista masculino reconstitui o seu passado, assumindo assim um ângulo de visão marcado pela objetividade. Embora seja personagem da história e participe dela, o narrador coloca-se fora e ausente enquanto narra e reconstitui os fatos (“flashback”).

  29. ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES

  30. Apoiando-se numa frase de um tenor, Machado de Assis declara que “a vida é uma ópera”. Com efeito, a existência humana é perpassada de fases, o que evoca bem, como a vida de Dom Casmurro, os atos de uma ópera: há sempre uma fase de “solo”, marcado por hesitações e buscas, e uma fase em que se vive um “duo terníssimo”, em que o eu e o outro (Bentinho e Capitu) se aproximam e se harmonizam;

  31. depois a coisa se complica com a presença de um terceiro (Escobar), que se instala para formar o triângulo que desfaz a unidade; enfim surge um quarto (Ezequiel), que esfacela de vez o “duo” da união harmoniosa de outrora. Tudo se vai e se esvai pela vida, e na alma humana vão ficando as mágoas e ressentimentos dos sons plangentes que se desfazem na solidão abissal.

  32. Machado de Assis vê a infância como o pilar que sustenta o adulto: o caráter e as tendências se forjam no forno da infância. Como ele diz em Memórias Póstumas de Brás Cubas, “o menino é pai do homem”. É o que se vê em Dom Casmurro. O autor dedica praticamente meio romance à infância, com o fim de mostrar o embrião do caráter das personagens principais e concluir que a Capitu menina estava dentro da adulta, “como a fruta dentro da casca”.

  33. Ao apresentar o perfil de Capitu, Machado de Assis revela traços da psicologia feminina: a arte de dissimular e a capacidade que tem a mulher para sair-se bem de situações embaraçosas, como, aliás, se pode ver também em Quincas Borba (com Sofia) e em outras obras machadianas. Essa capacidade de dissimulação de Capitu, sem dúvida, contribui enormemente para deixar no leitor de Dom Casmurro a dúvida que paira no final do romance: houve ou não houve adultério?

  34. Apesar do “duo terníssimo” de Bentinho e Capitu, Dom Casmurro é um romance de velhos e solitários (D. Glória, Tio Cosme, Pe. Cabral, José Dias, Prima Justina, além do nosso casmurro narrador). Como é próprio de Machado de Assis, a velhice no livro é perpassada de uma visão amarga e melancólica, dominada por mágoas e ressentimentos. Sem dúvida, é licito afirmar que, filtrada pela ótica do narrador, Machado de Assis insinua que a existência humana sempre desemboca na casmurrice e na solidão.

  35. Tudo vai-se desfazendo com o crepúsculo da existência humana: a graça, a beleza, as flores de antanho; pela vida vazia, vão ficando as lágrimas, a cinza, o nada. Vista de uma perspectiva pessimista (como é frequente em Machado de Assis), a velhice é perpassada de amargura, solidão e a sensação de vazio e perda a qual se acentua e dói ainda mais com a consciência da irreversibilidade do tempo.

  36. É impressionante em Dom Casmurro a ação devastadora do tempo sobre coisas e pessoas. O possível traído o desencantado Dom Casmurro continua vivo para contar a história: todos são devorados pela ação voraz e demolidora do tempo - todos morrem. E quem fica vivo, como Dom Casmurro, é atormentado pela mágoa pelos ressentimentos e sobretudo pela solidão catacumbal da casmurrice e do desencanto.

  37. Como é próprio da literatura realista (e, sobretudo, de Machado de Assis) um dos propósitos do livro é desmascarar o ser humano, revelando a precariedade e a hipocrisia das relações sociais. Em entrevista à Folha de São Paulo (3/8/91) com o ensaísta inglês John Gledson, o Prof. Luiz Roncari (autor de Assim não brinco mais) observa e pergunta: “A questão do adultério, traição ou não, só ganha importância mesmo no último terço do livro, na parte efetiva da intriga, mas a mentira está muito presente em todo o livro. A verdadeira questão não seria: como a mentira é fundamental para a manutenção das relações sociais, das relações humanas?”

  38. Em suma, em Dom Casmurro pode-se ver um perfil da sociedade da época (e certamente de hoje), como afirma o ensaísta John Gledson no prefácio de seu livro Machado de Assis: Impostura e Realismo: “Este livro procura descobrir as intenções de Machado em Dom Casmurro. Seu engenho e inteligência superiores não serão postos em dúvida; mas espero mostrar que o que lhes confere a agudeza, a lâmina pontiaguda, é a sua visão da sociedade na qual se criou, na qual teve muito sucesso profissional, mas que - em um nível que só encontra expressão em suas maiores obras - talvez detestasse”.

  39. Outro ponto que se destaca em Dom Casmurro é a religião, a começar pelo próprio nome do narrador (Bento, Bentinho) e Capitu, que “está bem próximo de capeta”, conforme observa o Prof. Antônio Dimas, da USP. Sem perfilar uma linha anticlericalista (tão em voga na época), “a gente não pode deixar de levar em conta a religião no livro”, diz o Prof. John Gledson. “É o único romance de Machado onde a religião católica aparece com tanta importância.

  40. Confrontando com os romances românticos, que nos passam uma visão idealizada do amor e do casamento (como é próprio do Romantismo), Dom Casmurro mostra o lado terrível, contundente, patético (e real?) do casamento, do amor e da vida. Embora a vida humana possa ter os seus encantos (é perfeitamente possível o “duo terníssimo” do casamento, da amizade - das relações sociais), a visão apresentada por Machado de Assis acerca da vida (especialmente do casamento, do amor e da amizade) é amarga e niilista, filtrada pela ótica de um narrador casmurro, ressentido e magoado pelas trapaças da sorte.

  41. Distante do “happy end” dos romances românticos, cm que o casamento é uma verdadeira comunhão de amor, em Dom Casmurro o casamento é simplesmente uma comunhão de bens, que “dura quinze meses e onze contos de réis”, como disse o cético Brás Cubas.

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