original_diario_parte_8

3. A festa ficou por longo tempo concentrada próximo à casa de Seu Zeca e como nos ensaios revezava as performances da banda entre o espaço da rua e o quintal de Seu Zeca. Desta vez uma novidade: a banda adentrou pela casa de entoando as músicas.

4. Esta visita apresentou um aspecto interessante. Foi a primeira visita que realizamos ao distrito desde o início efetivo do projeto. As visitas realizadas até então possuíam um caráter de descobertas fascinante, mas eram desprovidas de leituras específicas sobre o evento festivo, o caráter espacial deste fenômeno, formulações em torno da memória e mesmo do Congado. A confirmação de algumas suposições e a consolidação de algumas noções foram então possíveis. A receptividade do grupo para comigo foi mais uma vez excelente. Fato interessante foi que vários dos membros do grupo, mesmo os que ainda não conversaram comigo, já me cumprimentavam, alguns até com apertos de mão. Interessante também é que desta vez, mesmo quando eu não fazia questionamentos sobre a estrutura da festa, eles já começavam a me apontar fatos que mereciam ser observados, a narrar suas memórias da festa ou contar novidades sobre a festa deste ano.

5. Juquita se inseriu de modo especial nisto que relato. Por ele não estar mais dançando, em função de sua operação no joelho, ficou grande parte do evento perto de mim. Nossa conversa inicio-se com ele alegremente me contado que este ano receberá a coroa de rei, disse que é para eu ir preparando para fotografar e filmar o grupo ir buscá-lo em sua casa e o recebimento da coroa. Juquita contou ainda que esta é a segunda vez que ele recebe a coroa de rei e que sua mulher também já recebeu a coroa de rainha. “Foram lá em casa me oferecer pra recebera coroa deste ano e eu não tinha como não aceitar”.

6. À medida que as danças e batuques iam se realizando, Juquita (foto) olhava emocionado para os dançadores. “Já te contei porque eu não tô pulando, né? Foi por causa da operação no joelho; senão eu tava dançando... Pulo desde de menino. Fazíamos festa antigamente por toda esta região: em Paula Cândido, São Miguel, Coimbra... Agora eles tem banda lá... em Coimbra não formou Congado, mas acabou a festa. No mês de outubro fazíamos igual bóia fria: saía no sábado com as coisa tudo pronta, marmita e tudo, e só voltamos na segunda de manhã. Em outubro era festa o mês inteiro, uma maravilha!”

7. Outros relatos foram interessantes. Uma ex-aluna minha veio me cumprimentar logo que cheguei. “E aí Patrício, veio descobrir mais sobre a festa? Hoje é a ladainha, né? Isso é tão demorado, eu fico até desanimada... Eu venho pra festa mas nem assisto a ladainha; venho mais cedo por causa dos meus meninos mesmo, que adoram isso aqui e por causa do meu marido que é da banda. Nossa senhora, os menino gostam demais disso daqui! O mais novo quando ia fazer três anos, o pai dele perguntou se ele queria ganhar um vídeo-game ou entrar pra banda... Quê que cê acha? Quis entrar pra banda na hora, né.”

8. De fato, as crianças estavam muito eufóricas, ficavam um tempo na ladainha e vez por outra zanzavam pela rua, pelo quintal e retornavam à sala da casa. No momento do batuque da banda eles estavam muito ‘elétricos’; os pandeiros não paravam de bater.

10. O fiscal foi uma das principais figuras da festa que pude olhar de maneira distinta em função das revisões de literatura, pois nele o sentido de pedagogização estava agora muito mais claro. Os fiscais da festa são Expedito Ferreira Lopes (à esquerda na foto) e Jandir Mendes (à direita). Este último fez questão de manter comunicação comigo durante a festa, sempre me chamando atenção para aspectos de sua organização estrutural.

11. Explicou-me que a bengala utilizada por eles é comumente chamada de abre alas e serve para economizar a voz dos fiscais que, ao invés de ficar falando constantemente com os meninos, dá toquinhos para organizá-los em fila.

12. A questão da circunscrição espacial do grupo, que já nos referimos, tornou-se evidente mais uma vez. Durante o tempo de festa era comum na rua o trânsito de ônibus. O grupo que então ocupava toda a via pública se recolhia a um só lado deste espaço, já que o ônibus não poderia cortar as filas perpendicularmente. Mas um fato interessante é expresso nas foto ao lado, o grupo pode transpassar objetos, desde que ele fique em seu interior e não comprometa a fila quanto à cortes perpendiculares.

13. Em termos de transmissão cultural, uma impressão que pôde se confirmar é em torno da figura do Rei do Meio. Denilton, apelidado de Fuck (de blusa escura no centro da foto), mostrou em todos os momentos anteriores em que estive presente, grande conhecimento das músicas entoadas e da estrutura dos eventos, embora eu não tenha tido nenhuma conversa com ele. Quando comentei com Jandir, que é fiscal, sobre o grande conhecimento que Fuck aparenta ter sobre a festa ele explicou-me que Fuck já é auxiliar do Rei do Meio, substituindo-o inclusive nas ausências deste, que é relativamente constante, já que Rogério, Rei do Meio (de camisa cinza no centro da foto) é motorista de ônibus de uma linha intermunicipal.

14. Na festa foi possível identificar ainda algumas das pessoas que receberão as coroas neste ano. Como já dito, Juquita receberá a coroa de Rei; Maria da Conceição, Sãozinha (foto), receberá a de Rainha; Nayara, que não estava presente na festa, receberá a de Princesa; e a coroa de Príncipe não consegui alguém que soubesse me dizer.

15. Deixei a festa, com muitos lamentos, às vinte e três horas, mas o evento continuava com todo fulgor. Soube que os acontecimentos seguintes seriam o café às vinte e três horas e trinta minutos; o cortejo rumo ao Cruzeiro, à meia noite, com levantamento do mastro em frente a Igreja; e o retorno para casa de Seu Zeca às duas horas. Ao sair combinei com Seu Zeca e Seu Dola de encontrarmo-nos no dia dois de junho para a realização do DRP.